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"A Impermanência do Ser, a Ilusão do "Eu" e a Construção Mental e Social da Identidade: Uma Reflexão Filosófica, Psicanalítica e Psicoeducativa"

Atualizado: 2 de jul.

Figura humana em espiral cósmica, aprendizado e memória

A ideia de um "eu" fixo e imutável é uma das maiores ilusões que carregamos ao longo da vida. Desde a infância, somos ensinados a nos identificar com nomes, histórias, características físicas, papéis sociais e traços de personalidade. No entanto, quando mergulhamos em uma análise mais profunda, filosófica e psicológica, percebemos que o "eu" que acreditamos ser é uma construção fluida, mutável e profundamente influenciada por fatores internos e externos. Este artigo explora a impermanência do ser, a ilusão do "eu", e como nossa identidade é construída mental e socialmente, além de propor uma reflexão sobre o fato de não "sermos", mas "estarmos" — uma perspectiva que desafia paradigmas e abre caminhos para a transformação pessoal e coletiva.  


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A Impermanência do Ser: Nada é Fixo, Tudo é Processo  


A impermanência, conceito central em tradições como o budismo e o existencialismo, nos lembra que tudo está em constante transformação. Nosso corpo renova suas células, nossos pensamentos surgem e desaparecem, nossas emoções são efêmeras. Até mesmo nossa memória — aquilo que consideramos a base da identidade — é reconstruída a cada evocação, sujeita a distorções e reinterpretações.  


Do ponto de vista neurocientífico, o cérebro é um órgão plástico, moldado continuamente por experiências. A neuroplasticidade mostra que não há um "eu" estável nas sinapses; há, sim, redes neurais dinâmicas que se reorganizam a cada aprendizado, trauma ou mudança de ambiente. Isso reforça a ideia de que não somos entidades fixas, mas processos em constante devir.  

Ilustração: portal cósmico, figura meditando

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A Ilusão do "Eu": Do "Ser" ao "Estar"  


A ilusão do "eu" surge quando confundimos a narrativa que construímos sobre nós mesmos com uma essência imutável. Como explica o neuropsicanalista clínico Adilson Reichert, em linha com um pensamento socrático, "não somos, estamos — e é nesse 'estar' que reside a liberdade de nos redefinir". Reichert propõe que a identidade não é um substantivo, mas um verbo: um fluxo contínuo de interações entre mente, corpo e ambiente.  


Sócrates, com sua máxima "conhece-te a ti mesmo", já apontava para a importância de questionar as certezas sobre quem somos. Reichert amplia essa ideia na clínica, argumentando que a psicoterapia é um espaço para desconstruir a rigidez do "eu sou" e substituí-la por um "eu estou sendo". Isso significa reconhecer que nossas identidades são performances temporárias, moldadas por contextos sociais, histórias pessoais e escolhas conscientes.  


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A Construção Mental e Social da Identidade: Entre o Indivíduo e o Coletivo  


Nossa identidade é uma tecelagem de fios mentais e sociais. A construção mental ocorre por meio de narrativas internas ("sou tímido", "sou resiliente"), enquanto a construção social é alimentada por expectativas culturais, papéis (gênero, profissão, família) e até algoritmos que curatem nossa visão de mundo nas redes sociais.  


1. A Armadilha dos Rótulos  

   Adilson Reichert alerta para o perigo dos rótulos identitários: "Quando dizemos 'sou depressivo' ou 'sou bem-sucedido', cristalizamos uma experiência passageira em uma definição permanente". Esse reducionismo ignora a complexidade humana e limita a capacidade de mudança. Na neuropsicanálise, Reichert trabalha para que os pacientes percebam que seus sintomas não os definem — são estados, não essências.  


2. A Pressão Social e a Performance do "Eu"  

   A sociedade nos atribui papéis que internalizamos como verdades absolutas. Um exemplo é a idealização da produtividade: muitos se definem por sua capacidade de trabalhar, ignorando que essa é uma construção recente na história humana. Quando perdem o emprego ou se aposentam, entram em crise existencial, pois confundiram "o que fazem" com "quem são".  

Ilustração: cabeça humana com mecanismos internos brilhantes

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"Não Somos, Estamos": A Fluidez como Potência  


A mudança de paradigma de "ser" para "estar" é revolucionária. Se não somos algo fixo, podemos nos permitir transformar. Essa visão é corroborada pela psicoterapia moderna, especialmente em abordagens como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e a Neuropsicanálise, que enfatizam a flexibilidade psicológica.  


Adilson Reichert ilustra isso com uma metáfora socrática: "Assim como um rio nunca é o mesmo, mas sempre é rio, nós nunca somos os mesmos, mas sempre somos humanos. A essência não está na forma, mas no movimento". Em sua prática clínica, ele utiliza diálogos socráticos para ajudar pacientes a questionarem crenças arraigadas, como:  

- "O que aconteceria se você não fosse mais 'a pessoa responsável'?"  

- "Quem você seria se suas memórias fossem apagadas?"  


Essas perguntas desestabilizam a ilusão do "eu" e abrem espaço para novas possibilidades identitárias.  


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Mudando Paradigmas Psicossociais: O Papel da Psicoterapia  


Reichert defende que a psicoterapia é uma ferramenta poderosa para ressignificar paradigmas psicossociais. Em seu livro "O Eu Inacabado: Neuropsicanálise e a Arte de Reinventar-se", ele propõe que a terapia não deve buscar "curar" o paciente, mas sim expandir sua consciência sobre a natureza fluida da identidade. Isso envolve:  


1. Desidentificação: Aprender a observar pensamentos e emoções sem se fusionar a eles (ex.: "Estou ansioso" em vez de "Sou ansioso").  

2. Reconstrução Narrativa: Reescrever histórias pessoais de forma menos rígida, incorporando múltiplas perspectivas.  

3. Experiências Corporais: Trabalhar a conexão mente-corpo para romper a ilusão de que o "eu" está apenas na mente.  


Um caso clínico citado por Reichert envolve um paciente que se definia como "fracassado" após um divórcio. Através de questionamentos socráticos ("O que é sucesso para você? Quem definiu isso?"), o paciente percebeu que internalizara padrões sociais tóxicos e, aos poucos, reconstruiu sua identidade com base em valores autênticos, não em expectativas externas.  

Cabeça humana com circuitos cerebrais, memória e aprendizado

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Práticas Psicoeducativas para Abraçar o "Estar"  


1. Diálogo Socrático Pessoal  

   Pergunte-se regularmente:  

   - "Quais rótulos carrego como verdades absolutas?"  

   - "Quem eu seria se não tivesse medo do julgamento alheio?"  


2. Meditação da Impermanência  

   Sente-se em silêncio e observe como pensamentos, emoções e sensações físicas surgem e passam. Repita mentalmente: "Isso também vai mudar".  


3. Experimentos de Autoria  

   Mude temporariamente um hábito, um estilo de roupa ou uma rotina. Observe como isso afeta sua percepção de "quem você é".  


4. Leitura Crítica de Narrativas Sociais  

   Analise filmes, livros e discursos públicos: que papéis são atribuídos a gêneros, profissões ou idades? Como isso influencia sua autoimagem?  

Mente humana conectada a tecnologia, representando inteligência artificial

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Conclusão: A Liberdade de Não Ser Nada  


A impermanência do ser e a ilusão do "eu" não são motivos para desespero, mas para celebração. Como propõe Adilson Reichert, "a beleza da existência está em sua incompletude". Se não somos nada fixo, podemos ser tudo em potencial.


Conclusão Final: A Jornada do "Estar" como Revolução Existencial  


A impermanência do ser e a desconstrução da ilusão do "eu" nos convidam a uma revolução silenciosa: a de abandonar a busca por uma identidade fixa e abraçar a liberdade de existir em processo. Como propõe o neuropsicanalista Adilson Reichert, inspirado no legado socrático, "a única verdade sobre nós é que estamos em constante diálogo com a vida — e é nesse diálogo que nos reinventamos".  


A psicoterapia, sob essa ótica, não é um espaço para encontrar respostas definitivas, mas para cultivar perguntas que expandem horizontes. Ao substituir o "eu sou" pelo "eu estou sendo", rompemos com séculos de paradigmas que nos aprisionaram a rótulos, medos e expectativas alheias. A neurociência, a psicanálise e a filosofia convergem em um mesmo insight: não há um núcleo imutável no ser humano, apenas possibilidades em transformação.  


Que este artigo sirva como um convite à coragem de existir sem máscaras, à curiosidade de se redescobrir a cada dia e à aceitação de que, como um rio, nossa essência está no movimento — não na forma. Afinal, como escreveu Reichert, "o maior ato de liberdade é perceber que nada precisamos ser, exceto presentes".  


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Referência Final:  

- Reichert, Adilson. O Eu Inacabado: Neuropsicanálise e a Arte de Reinventar-se. Editora Mente Aberta, 2022.  


Explore mais temas sobre identidade, neurociência e transformação pessoal no blog NeuroPsi Online https://www.neuropsionline.com/blog.  


Este artigo encerra a série sobre a impermanência do ser. Deixe nos comentários como você pratica a arte de "estar" no seu cotidiano. 🌱

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